Delicado Lavor
Maria Lamas saiu de Lisboa entre 1948 e 1950 para conhecer as mulheres do seu país. A expectativa que tinha para o que iria encontrar era abrangente: começaria nas camponesas, passaria pelas intelectuais e terminaria nas artistas.
A obra final, porém, aborda sobretudo as mulheres camponesas: espalhadas por todo o país, começavam cedo e desdobravam-se em ofícios.
Além do cultivo da terra, podiam trabalhar no mar, nas minas e nas fábricas, mas também nos bordados. Escreveu Maria Lamas que "não se esquivavam de nenhum ganha-pão que pudesse aparecer".
Polónia, uma mulher Vianense que Maria Lamas conheceu, era "mais um destroço humano do que uma hábil e paciente fazedora de delicado lavor. Toda a vida bordou, a vidrilhos, os fatos de noivado, pretos, distintíssimos, das lavradeiras ricas, no tempo em que ninguém se atrevia a fugir à tradição. (...) Olha-se essa mulher, desmazelada no seu todo, velha pela idade e pelo abandono de si própria, com ar apatetado, retraído, e não se acredita que aquelas mãos deformadas e ásperas, de unhas negras, tenham realizado maravilhas de perfeição".
A história de Polónia não era única. Maria Lamas cruzou-se com muitas bordadeiras, mulheres que trabalhavam em casa depois do trabalho no campo; o contraste era sempre este: mãos acabadas, bordados perfeitos e mal pagos.
Esta oposição, que tem uma longa história e persiste ainda, poderá ser a síntese do nosso combate: desfazer o abismo entre a riqueza de uma peça e a miséria de quem a executa.
Fonte: "Maria Lamas e As Mulheres do Seu País: Construção de narrativas através de olhar de mulher, jornalista e intelectual", de Maíra Fernanda dos Santos Saragiotto
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